
O inventário dos crimes contra a vida e a dignidade humanas cometidos por oficiais das forças armadas brasileiras no curso das duas últimas ditaduras, o Estado Novo (1937-1945), e o mandarinato de 1964-1985, pode sugerir que as prisões arbitrárias, as torturas e os assassinatos são crimes militares restritos aos anos de terror. A ignomínia, porém, muito cedo sentou praça em nossas fileiras. As insurreições, levantes e insurgências populares que palmilham nossa história, da Colônia à República, foram reprimidas com extrema violência. O único levante vitorioso foi a “revolução” de 1930 – um dissídio da classe dominante levado a cabo por três governadores de Estado e meia dúzia de oficiais superiores, que não conheceu resistência ou enfrentamento no longo passeio de trem que trouxe Getúlio Vargas e seu estado-maior do Palácio Piratini ao Catete, no Rio de Janeiro. As “pacificações” do Império, que com tantos títulos ornaram o Duque de Caxias, foram levadas a cabo a ferro e fogo. A guerra do Paraguai não pode afagar nossos brios, quando as tropas brasileiras terminaram lutando contra adolescentes, mulheres e idosos. Muito menos nos honra o massacre, nos primeiros anos da república, (de algo como 20 mil sertanejos famélicos reunidos no Arraial de Canudos por Antônio Conselheiro, assim registrado por Euclides da Cunha n'Os sertões:
“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.”