Para a presidenta do Sindicato dos Educadores da Infância (Sedin) de São Paulo, Claudete Alves, que também é dirigente nacional da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), “a desassistência da criança no Brasil é o impedidor do exercício da infância” porque “não temos democracia para os pequenos sequer o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990) é plenamente respeitado”.
Já Ricardo Augusto Yamasaki, professor e advogado,
especialista em direitos da criança e do adolescente, “somente no respeito aos
princípios da proteção integral, prioridade absoluta, entendendo as crianças e
adolescentes como sujeitos de direito e em condição peculiar de seres humanos
em desenvolvimento poderemos pensar o desenvolvimento pleno”.
Porque, argumenta ele, “num país onde os direitos naturais e
fundamentais precisam ser exigidos quem mais sofre são os que estão em mais
vulnerabilidade”.
Um estudo realizado pela PUC-MG em parceria com a
organização ChildFund Brasil, mostra que 4,8 milhões de crianças brasileiras
vivem na pobreza absoluta.
Dessa maneira, a situação delas inclui baixa escolaridade, falta de saneamento
básico, ausência de abastecimento de água e dificuldades dos pais ou
responsáveis para conseguir emprego formal.
Como se não bastasse essa triste realidade, quase 3 milhões
de crianças e adolescentes, em idade escolar, estão fora da escola, segundo os
dados do Censo Escolar. E a situação piorou muito “com os sucessivos cortes de
verbas destinadas ao Ministério da Educação, desde a presidência de Michel
Temer, com sensível piora no atual governo”, informa Beatriz Calheiro,
secretária da Juventude Trabalhadora nacional da CTB.
Levantamento feito pelo Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef) em parceria com o Cenpec Educação, aponta para mais de 5
milhões de meninas e meninos sem acesso à educação no Brasil, em 2020. “Isso
comprova que a pandemia aprofundou as desigualdades educacionais e sociais no
país”, argumenta Rozana Barroso, presidenta da União Brasileira de Estudantes
Secundaristas (Ubes).
Isso porque, para ela, “toda criança merece ter escola de
qualidade, baseada no diálogo e na troca de saberes, para a transformação
dessas crianças em adultos capazes de decidir o seu próprio destino e levar uma
vida sem preconceitos e com respeito a todo mundo”.
Mas o abandono de políticas públicas em favor da população
mais vulnerável, trouxe péssimos resultados para os indicadores sociais do
país. “A fome retornou aos lares. E a falta de projetos para assegurar os
direitos a uma vida digna das pessoas durante a pandemia, elevou o número de
famílias em situação de total precariedade, sem trabalho decente e com renda
insuficiente”, assinala Beatriz.
Como se isso fosse pouco, o Disque 100 aponta para um grave
quadro de violência e abuso sexual dentro de casa, por pessoas conhecidas das
vítimas. Segundo as denúncias do Disque 100, neste ano, 81% das atrocidades
aconteceram dentro de casa. Além disso, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública
mostra que, em 2019, mais da metade das vítimas de violência sexual tinham até
13 anos. E o índice de vítimas de 0 a 19 anos, passou de 70% em 2019 para 77%
em 2020.
“Entre os cerca de 120 milhões de brasileiras e brasileiros
que vivem em insegurança alimentar severa, as crianças são as mais prejudicadas
devido à desnutrição de alimentos e de amor”, assegura Claudete.
“Na disputa por ossos está no último lugar da fila”, por
isso, “penso que os adultos votantes são responsáveis e terão que nas próximas
eleições corrigirem através de seus votos os equívocos eleitorais que nos
levaram a este caos”, complementa.
Segundo a Síntese de Indicadores Sociais do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 41,7% das crianças com até 14
anos viviam na pobreza no país em 2019. A situação piorou com a política
econômica do ministro da Economia Paulo Guedes, que investe dólares em paraísos
fiscais e não tem projeto para combater o desemprego e a fome.
Para a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) o quadro de
violência física e biológica contra crianças no país é muito preocupante. De
acordo com a SBP, diariamente são notificados 230 casos, sendo mais de 85 mil
denúncias por ano.
“O que esperar do futuro de um país que maltrata tanto as
suas crianças?”, questiona Alaíde Bagetto, secretária de Políticas Sociais
nacional da CTB. Ela destaca o número de aproximadamente 3 milhões de crianças
e adolescentes sendo exploradas pelo trabalho infantil no país. E ainda por
cima, “trabalhos das piores formas”.
Como ressalta a canção de Arnaldo Antunes e Paulo Tatit,
“criança não trabalha”, aliás, criança deve dar trabalho ao serem educadas
pelos adultos. Porque “toda criança precisa de cuidados, de proteção e de
dignidade. Seja em casa, na escola, ou em qualquer lugar”, argumenta Alaíde.
Para a juíza do Trabalho, Daniela Valle da Rocha Muller,
mestra em políticas públicas em Direitos Humanos no Núcleo de Estudos de
Políticas Públicas em Direitos Humanos, órgão da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, “talvez a primeira tarefa seja acabar com uma divisão, ainda muito
presente na sociedade brasileira entre ‘crianças’ e ‘menores’” porque “enquanto
ao primeiro grupo, normalmente, se reconhece o direito ao amparo, proteção e
acesso aos meios de desenvolvimento pessoal, o segundo grupo é estigmatizado,
visto como naturalmente perigoso, delinquente, enfim, pessoas que já nasceriam
com uma ‘má índole’”.
Com isso, “a parte lúdica de brincar na infância faz muita
diferença para que a pessoa se torne um adulto saudável” e “é tudo isso que
está sendo tirado de nossas crianças”, acentua a Valdete Souto Severo, juíza do
Trabalho.
Porque o que se vê, reforça Valdete, é que “as crianças
estão nos sinais vendendo coisas, estão limpando casas dos outros em troca de
remuneração, estão na roça, enfim estão realizando trabalho muitas vezes
insalubres, trabalho que provoca danos efetivos à saúde desses seres humanos”.
Claudete destaca a importância de reflexão no Dia das
Crianças para “sabermos qual o futuro queremos para o país” se não “defendermos
os direitos de todas as crianças a uma infância feliz jamais tiraremos o Brasil
do caos”.
Afinal, Criança é para brincar, não para morrer de fome, como diz o título desta matéria com base na canção Gente, de Caetano Veloso, que cita o poema Gente É para Brilhar, de Vladimir Maiakovski (1893-1930), para mostrar a necessidade de reflexão sobre o Dia das Crianças – 12 de outubro. O que uma criança necessita para ser feliz e se tornar um adulto sem ódio no pensamento e no coração?
Texto de Marcos Aurélio Ruy
Fonte: CTB
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