Cobra-se do Partido dos Trabalhadores – o maior e o mais
sólido partido da socialdemocracia brasileira – um projeto revolucionário que
não está no horizonte de seu programa. Sob o comando de Lula, o PT lidera uma
coalizão partidária de centro-esquerda, ampla,
que mais e mais procura afastar-se das teses encampadas na saudosa
campanha eleitoral de 1989, porque de lá para cá o mundo mudou, o país mudou e
mudou o próprio PT, tanto quanto mudaram as perspectivas da esquerda
brasileira, com a crise do “socialismo real” e as seguidas “diásporas”; e
consequentemente as condições de luta pioraram. O PT mudou para vencer as
eleições em 2002, e volta a mudar, desta feita para poder liderar uma frente
ainda mais ampla, em condições de derrotar o projeto protofascista governante,
que nos ameaça com anunciadas
expectativas de continuidade.
O pior desatino comete o pretenso revolucionário que supõe
poder alterar a realidade ignorando os limites de seu papel como sujeito
histórico.
Como lembrava há mais de um século conhecido pensador
alemão, o homem faz sua história, mas não a faz segundo os caprichos de sua
vontade, de seus sonhos e de sua utopia; ele a faz segundo as circunstâncias
com as quais se defronta (Cf. Marx, Karl. O 18 brumário de Luis Bonaparte).
Dois mil anos antes, Sun Tzu recomendava aos generais em guerra conhecer previamente o inimigo e o terreno em
que pretendiam lutar.
Mudando a conjuntura, as formas de luta também mudam.
Independentemente do PT e de seu líder, nos defrontamos com
o recesso das lutas sociais, implicando o remanso da denúncia da luta de
classes. A conjuntura internacional vê-se pontuada pela fragilização das
organizações revolucionárias, socialistas e trabalhistas, pari passu com o
crescimento de apoio popular a movimentos de direita e extrema-direita (vide
França, Itália, EUA, Hungria, Polônia), como o que se revelou contundente nas
eleições brasileiras de 2018. Entre nós a extrema-direita empalmou o poder
cavalgando eleições livres, pela primeira vez. Não se trata de um fenômeno
menosprezável, mas de um indicador do nível de consciência das massas.
Cresce o imperialismo como força política, econômica e
militar, e esse crescimento pesa sobre o processo social. A agudização do
militarismo é uma de suas evidências. É seu o monopólio da informação, de que
resulta a unipolaridade ideológica, uma modalidade de ditadura nas sociedades
de massas. Limitada em suas opções revolucionárias, a esquerda optou pelo
ingresso na institucionalidade, que, lhe dando sobrevida, congelou sua
capacidade de intervir na realidade, visando a modificá-la. Perdida a
revolução, seu projeto passou a ser modificar por dentro as estruturas,
tornando-se, assim, inevitavelmente, um fator da ordem. É uma nova socialdemocracia,
substituta daquela que transitou para a direita, no mundo e no Brasil.
Combater qualquer alteração do statu quo, qualquer ameaça de
mudança de rumo, mesmo dentro da legalidade, qualquer sugestão de reforma
social, passou a ser o projeto retrógrado da casa-grande brasileira, que não
convive com alterações, quaisquer, da ordem baseada na superexploração da
classe trabalhadora. Daí o combate que travou contra os governos Lula e Dilma,
daí seu apoio ao quadro político consequente, daí suas ameaças ao processo
eleitoral de 2022, à posse e ao futuro governo Lula, quando o candidato promete
colocar o pobre no Orçamento e os ricos no Imposto de Renda. Essa resistência não conhece limite e explica
o esforço do Lula candidato de construir, ainda no processo eleitoral, uma
coalizão que lhe assegure, além da eleição e da posse, condições de governar,
negadas a Jango e a Dilma Rousseff.
Nesta quadra histórica, está reservado às classes populares,
organizadas, garantir a continuidade democrática e uma governança que
possibilite a retomada do desenvolvimento, a recuperação das conquistas sociais
e a preeminência do interesse nacional.
Para avançar, sempre a depender do que seremos e faremos no
pós-2022, precisaremos alterar a atual correlação de forças, ampliando, para
além de nosso campo, o arco político-social que garantirá a governabilidade a
partir de 2023. Somente amparados em uma
grande mobilização popular estaremos em condições de promover alterações significativas
na estrutura do Estado brasileiro atual, sem as quais será impossível a um
governo de raízes sociais descartar os entraves ao desenvolvimento nacional e
remover a viciada, para além de nociva, ingerência da caserna atrasada sobre as
instituições republicanas.
Tantos anos passados da Constituinte, retorna a discussão
essencial sobre o caráter do Estado de que necessitamos para promover o
progresso social, tantas vezes contestado pela casa-grande e seu braço armado.
A urgência histórica é a questão democrática, que se
materializará na derrota do projeto continuísta do bolsonarismo. É, ao mesmo
tempo, a tarefa mais consequente ao nosso alcance, e aquela que mais amplia na
sociedade, daí o caleidoscópio de alianças que o ex-presidente intenta costurar
com paciência de cesteiro. Porque é necessário ganhar e é necessário ter forças
para poder governar e, principalmente, governar sabendo que contará com a
resistência da casa-grande.
Nada obstante essas considerações, que aos quadros mais
experientes podem tangenciar o óbvio, é preciso ter sempre em conta que a ainda
difícil (tanto quanto necessária) eleição de Lula e o retorno do PT ao governo
– ainda longe da hegemonia do poder – significarão um grande avanço político
(ao qual se associa a esquerda socialista), por representar o avanço possível
nas condições concretas. Este avanço possível das esquerdas está abraçado ao
sucesso que promete a candidatura Lula.
As limitações óbvias de uma candidatura que, para
viabilizar-se, carece de amplas alianças, mesmo ultrapassando as fronteiras de
seu arco ideológico, não podem, porém, ser arguidas como inibidoras da ação e
do proselitismo das esquerdas, a quem incumbe, na campanha eleitoral, a defesa
das teses de nosso campo. Em síntese, compete à esquerda fazer a campanha da
esquerda, jamais delegá-la a uma frente ampla cujo núcleo é a
socialdemocracia. Toda campanha
eleitoral é uma oportunidade de
proselitismo. No caso concreto, os socialistas terão de associar a pedagogia ideológica
à ação, o encontro ideal de teoria e prática, retornando à organização popular.
Organização em todo e qualquer nível, para a ação e o proselitismo e, para,
amanhã, responder aos desafios que lhe serão forçosamente impostos pelo processo social.
A deposição de Dilma e o que a partir dessa violência se
seguiu não podem ser entendidos como frutos do acaso, nem muito menos pensados
como “chuvas de verão”. O programa fascistóide tem raízes em ponderáveis
segmentos da sociedade brasileira, sua existência guarda coerência com nossa
formação de sociedade (em busca da nação) e país escravocrata, racista e
autoritário, governado por uma elite alienada e forânea, descomprometida com os
destinos do país e de sua gente. É preciso compreender o caráter do processo
histórico para nele poder intervir consequentemente.
Por: Roberto Amaral.
* Com a colaboração de Pedro Amaral
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